As reflexões
acerca da relação teoria e prática me acompanham – e me formam – desde o início
do curso, a partir das primeiras observações nas escolas para cumprir carga
horária prática de algumas disciplinas. Foi quando comecei a ouvir frases como:
“na teoria é uma coisa, na prática é outra”; “na universidade vocês estudam um
bocado de textos, mas quando você vem pra realidade é outra coisa, é muito mais
difícil”.
Depois, com a leitura de vários
textos, comecei a entender – não concordar com – tais argumentos utilizados por
educadores da Educação Básica, tendo em vista que, ao longo de seu processo de
formação, ouve-se muito sobre a importância de integrar teoria e prática, mas,
muitas vezes, a própria universidade não consegue garantir uma relação
integrada entre estes dois campos de conhecimento, e acaba formando professores
com uma visão, nas palavras de Candau (2001), dicotômica entre teoria e
prática.
Eu tenho consciência das mudanças
que vêm ocorrendo no currículo do curso de Pedagogia da minha universidade. Há alguns
anos, a oportunidade de conhecer o contexto escolar era dada aos licenciandos
apenas nos últimos semestres do curso, o que causava muita frustração e já ouvi
que até desistência da profissão.
Hoje, algumas disciplinas nos “empurram”
para a sala de aula desde o 2º, 3º semestre, seja para conhecer uma prática
pedagógica ou para recolher dados de investigação acerca de algum aspecto
escolar, o que acaba por nos ensinar sobre o cotidiano da escola e o contexto
da sala de aula, nos trazendo a uma reflexão mais crítica sobre nossas
leituras.
Entretanto, a distância que existe
entre ler sobre educação e dar aula era o que me fazia me sentir nervosa e
despreparada para encarar a regência no estágio, isto antes de iniciar as aulas
da disciplina.
Com o início das aulas, a observação
na escola campo, as leituras e discussões em grupo e o planejamento de cada
etapa, senti que fui ganhando coragem, ao passo que, no início da regência, já
me sentia devidamente munida para meu “front de batalhas” – leia-se sala de
aula.
O exercício da docência me frustrou
nos primeiros dias em que a aula fugiu muito do planejado, nos dias em que
surgiam conflitos e situações que eu não estava preparada para resolver, nos
dias em que eu precisava alterar a voz e ainda assim não conseguia me fazer
ouvida; em outros dias, quando, por exemplo, obtive resultado com alguma ideia
pedagógica, quando ouvi um “pró, a senhora é minha pró preferida”, ou quando vi
o quão feliz fica uma criança quando consegue aprender, ensinar me deu fôlego, me
deu esperança e força para não desacreditar na educação, e mais, para querer
lutar por ela, mesmo, e talvez principalmente, em uma conjuntura política que
quer nos convencer de que educação é balbúrdia.
A experiência em sala de aula me fez
remontar às leituras sobre a relação teoria e prática, e eu pude, a partir das
reflexões que fazia das minhas vivências, entender Candau (2001), quando a
autora fala sobre esta relação a partir de uma visão de unidade. Pude enxergar
Freire (1987) falando sobre a práxis, e entendi que teoria e prática são, ao mesmo
tempo: 1) suportes diferentes de conhecimento, uma vez que, a teoria está
escrita, permitindo que tenhamos acesso às ideias de outras pessoas, enquanto a
prática é pessoal e a experiência nela construída forma uma identidade
singular; e 2) indissociáveis, tendo em vista que, toda e qualquer ação
pedagógica se baseia, conscientemente ou não, em uma teoria, e a reflexão sobre
a prática desenvolvida constrói novas ideias, novos caminhos, portanto, novas
teorias.
Isto eu vivi ao longo de toda a fase
da regência, minha mente girava em torno de ideias pedagógicas: uma melhor
forma de ensinar a separação de sílabas, o melhor jeito para falar com um aluno
que se mostrava resistente às ordens, uma maneira diferente para explicar o
assunto a um aluno que não estava se desenvolvendo com o método. Enfim, eu vi
que a prática só faz sentido quando esmiuçada e refletida para a busca de novos
caminhos, pois, como diz Ghedin (2005, p. 133), “para produzir mudança não
basta desenvolver uma atividade teórica; é preciso atuar praticamente”.
Deste modo, pude experimentar
vividamente, o que diz Tardif (2002) sobre o quanto nossa identidade é marcada
pelo trabalho que desenvolvemos, pois, à medida que vivia a sala de aula, ia me
fazendo professora, e esta experiência construía em mim novas expectativas
sobre e para mim mesma. Expectativas profissionais – quando me sentia capaz de
ser uma boa professora, e pessoais – quando enxergava que, professora, eu não
poderia mudar o mundo, mas poderia contribuir na formação crítica de indivíduos
capazes de construir uma sociedade mais justa, o que me faz enxergar a mim mesma
como uma pessoa em busca da própria vocação de ser mais, lembrando Freire
(2001).
A
experiência do estágio foi árdua, trabalhosa, e ao mesmo tempo libertadora,
porque me ensinou sobre minhas competências e possibilidades, me ensinou que na
educação, a prepotência de querer estar sempre preparada não cabe, tão pouco
cabe a indulgência ao se eximir de sua intransferível responsabilidade social.