sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Memórias do estágio em Anos Iniciais

As reflexões acerca da relação teoria e prática me acompanham – e me formam – desde o início do curso, a partir das primeiras observações nas escolas para cumprir carga horária prática de algumas disciplinas. Foi quando comecei a ouvir frases como: “na teoria é uma coisa, na prática é outra”; “na universidade vocês estudam um bocado de textos, mas quando você vem pra realidade é outra coisa, é muito mais difícil”.
            Depois, com a leitura de vários textos, comecei a entender – não concordar com – tais argumentos utilizados por educadores da Educação Básica, tendo em vista que, ao longo de seu processo de formação, ouve-se muito sobre a importância de integrar teoria e prática, mas, muitas vezes, a própria universidade não consegue garantir uma relação integrada entre estes dois campos de conhecimento, e acaba formando professores com uma visão, nas palavras de Candau (2001), dicotômica entre teoria e prática.
            Eu tenho consciência das mudanças que vêm ocorrendo no currículo do curso de Pedagogia da minha universidade. Há alguns anos, a oportunidade de conhecer o contexto escolar era dada aos licenciandos apenas nos últimos semestres do curso, o que causava muita frustração e já ouvi que até desistência da profissão.
            Hoje, algumas disciplinas nos “empurram” para a sala de aula desde o 2º, 3º semestre, seja para conhecer uma prática pedagógica ou para recolher dados de investigação acerca de algum aspecto escolar, o que acaba por nos ensinar sobre o cotidiano da escola e o contexto da sala de aula, nos trazendo a uma reflexão mais crítica sobre nossas leituras.
            Entretanto, a distância que existe entre ler sobre educação e dar aula era o que me fazia me sentir nervosa e despreparada para encarar a regência no estágio, isto antes de iniciar as aulas da disciplina.
            Com o início das aulas, a observação na escola campo, as leituras e discussões em grupo e o planejamento de cada etapa, senti que fui ganhando coragem, ao passo que, no início da regência, já me sentia devidamente munida para meu “front de batalhas” – leia-se sala de aula.  
            O exercício da docência me frustrou nos primeiros dias em que a aula fugiu muito do planejado, nos dias em que surgiam conflitos e situações que eu não estava preparada para resolver, nos dias em que eu precisava alterar a voz e ainda assim não conseguia me fazer ouvida; em outros dias, quando, por exemplo, obtive resultado com alguma ideia pedagógica, quando ouvi um “pró, a senhora é minha pró preferida”, ou quando vi o quão feliz fica uma criança quando consegue aprender, ensinar me deu fôlego, me deu esperança e força para não desacreditar na educação, e mais, para querer lutar por ela, mesmo, e talvez principalmente, em uma conjuntura política que quer nos convencer de que educação é balbúrdia.
            A experiência em sala de aula me fez remontar às leituras sobre a relação teoria e prática, e eu pude, a partir das reflexões que fazia das minhas vivências, entender Candau (2001), quando a autora fala sobre esta relação a partir de uma visão de unidade. Pude enxergar Freire (1987) falando sobre a práxis, e entendi que teoria e prática são, ao mesmo tempo: 1) suportes diferentes de conhecimento, uma vez que, a teoria está escrita, permitindo que tenhamos acesso às ideias de outras pessoas, enquanto a prática é pessoal e a experiência nela construída forma uma identidade singular; e 2) indissociáveis, tendo em vista que, toda e qualquer ação pedagógica se baseia, conscientemente ou não, em uma teoria, e a reflexão sobre a prática desenvolvida constrói novas ideias, novos caminhos, portanto, novas teorias.
            Isto eu vivi ao longo de toda a fase da regência, minha mente girava em torno de ideias pedagógicas: uma melhor forma de ensinar a separação de sílabas, o melhor jeito para falar com um aluno que se mostrava resistente às ordens, uma maneira diferente para explicar o assunto a um aluno que não estava se desenvolvendo com o método. Enfim, eu vi que a prática só faz sentido quando esmiuçada e refletida para a busca de novos caminhos, pois, como diz Ghedin (2005, p. 133), “para produzir mudança não basta desenvolver uma atividade teórica; é preciso atuar praticamente”.
            Deste modo, pude experimentar vividamente, o que diz Tardif (2002) sobre o quanto nossa identidade é marcada pelo trabalho que desenvolvemos, pois, à medida que vivia a sala de aula, ia me fazendo professora, e esta experiência construía em mim novas expectativas sobre e para mim mesma. Expectativas profissionais – quando me sentia capaz de ser uma boa professora, e pessoais – quando enxergava que, professora, eu não poderia mudar o mundo, mas poderia contribuir na formação crítica de indivíduos capazes de construir uma sociedade mais justa, o que me faz enxergar a mim mesma como uma pessoa em busca da própria vocação de ser mais, lembrando Freire (2001).
            A experiência do estágio foi árdua, trabalhosa, e ao mesmo tempo libertadora, porque me ensinou sobre minhas competências e possibilidades, me ensinou que na educação, a prepotência de querer estar sempre preparada não cabe, tão pouco cabe a indulgência ao se eximir de sua intransferível responsabilidade social.

Resgate Histórico: Saberes pessoais e pré-profissionais

Ao contrário do processo de alfabetização de muita gente, o meu se deu de um modo tão prazeroso que me lembro dele como algo muito natural, quase que orgânico, tendo consciência, evidentemente, que a aquisição do código de escrita alfabético não se dá de forma natural e sim a partir de métodos e técnicas para que este fim seja alcançado.
Eu não tive acesso à Educação Infantil, já que, meus pais não tinham condições de investir em uma instituição particular de ensino e esta etapa da educação só passou a integrar a Educação Básica, com seu acesso e gratuidade legalmente garantidos, a partir da Lei 9394/96, a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB).
Deste modo, eu entrei na escola aos 6 anos, no ano de 1997, na antiga primeira série do Ensino Fundamental.
Era uma instituição pública que ficava próxima à minha casa.
A escola era pequena, tinha apenas duas salas de aula. As salas eram amplas, com muitas janelas, bem arejadas.
Eu estudava à tarde e adorava ir para a escola. Sentava na frente, era uma das alunas mais queridas da professora.
Na escola eu fui alfabetizada com o método da cartilha e um recurso muito utilizado para embelezar a letra dos alunos era o caderno de caligrafia, que eu fazia com gosto, pois, adorava os elogios sobre a minha letra.
Acredito que minha alfabetização aconteceu em um duplo processo: as aprendizagens da escola e as aprendizagens a partir das atividades e leituras que eu fazia com uma tia minha, que tinha um bar, onde todas as manhãs eu me sentava numa mesa com ela e íamos ler textos e fazer as atividades. Eu adorava esse momento porque era descontraído e era muito nítido para mim o quanto eu estava aprendendo de forma rápida, isso me empolgava.
Diferente do que ocorre hoje, quando é comum se ver notícias de alunos e mesmos pais e mães de alunos agredindo professor, naquela época, a escola, bem como os educadores eram vistos como detentores do saber e, geralmente, os pais e mães tinham muito respeito pelos professores e passavam isso para os filhos.
As aprendizagens construídas ao longo do curso de pedagogia me servem como suporte para enxergar a escola com olhar crítico e atento.
Se antes – e por que não usar de um clichê?! – no meu tempo, a escola era vista pela classe trabalhadora, como principal meio de ascensão social, e portanto, tinha o seu valor reconhecido; hoje, num tempo em que temos um presidente da república e um ministro da educação que repetem à exaustão que universidade é balbúrdia e que os professores da educação básica são doutrinadores de crianças, a escola vem perdendo o seu prestígio diante da sociedade.
Neste sentido, penso que é imprescindível que nós educadores assumamos uma postura crítica frente aos discursos sobre a educação, com vistas a perceber as intenções que os medeiam.
Penso também ser necessário que tenhamos claro em mente o papel da educação, e especialmente, o papel da escola, nossa trincheira.
Neste sentido, advogo em favor de nos afastarmos tanto da visão não crítica, que, anulando a relação entre escola e sociedade e suas dependências uma da outra, coloca na educação a responsabilidade de salvar os cidadãos dos males sociais, bem como, da visão crítico-reprodutivista, que, enfatizando a dependência da educação ante à estrutura social, retira-lhe toda e qualquer possibilidade de transformação.
Deste modo, defendo uma visão crítica, que, considerando a influência da sociedade na educação, enxerga também um viés de transformação a partir da realidade histórica da qual se parte, pois, como afirma Saviani,
a educação é mediação, isto significa que ela não se justifica por si mesma, mas tem sua razão de ser nos efeitos que se prolongam para além dela e que persistem mesmo após a cessação da ação pedagógica. Considerando-se, [...] que, dado o caráter da educação como mediação no seio da prática social global, a relação pedagógica tem na prática social o seu ponto de partida e seu ponto de chegada, resulta inevitável concluir que o critério para se aferir o grau de democratização atingido no interior das escolas deve ser buscado na prática social. (SAVIANI, p. 76 e 77)

            Assim, tendo em vista que a principal característica da história é a transição, sabemos que a prática social é construída a partir de ações que estão em constante mudança, perfazendo o caráter de possibilidade de transformação da história e é nesta possibilidade que eu procuro inserir a minha prática educativa.

Memórias do estágio em Anos Iniciais

As reflexões acerca da relação teoria e prática me acompanham – e me formam – desde o início do curso, a partir das primeiras observações n...